Guaporé e municípios da região, bem como outras cidades do Rio Grande do Sul e de outros Estados da Federação, protagonizaram gestos de solidariedade e humanidade que dificilmente se repetirão na história. Em meio à destruição de Muçum, Roca Sales, Santa Tereza e Encantado, e à tristeza de seus moradores com a cheia do Rio Taquari, milhares de pessoas arregaçaram as mangas e colaboraram, de todas as formas, no difícil recomeço ou, para muitos, começo de uma nova vida. Sem conhecer os atingidos, encaminharam alimentos, roupas, calçados, produtos de higiene e limpeza, entre outros produtos, depositaram dinheiro, fizeram Pix, ajudaram com recursos financeiros as dezenas de Vakinhas criadas e colocaram, literalmente, a mão na massa.
Entre as dezenas de grupos e milhares de voluntários, uma comunidade e seus moradores chamou a atenção. A Comunidade do bairro São José, de Guaporé, juntamente com integrantes do Grêmio Esportivo Juventude (GEJ), mobilizou-se e mostrou sua força com o gesto de empatia ao próximo. Organizaram-se e, em correte solidária, foram ao encontro dos necessitados, amenizando o sofrimento de centenas de famílias de Muçum. Incansavelmente removeram lama, limparam e reconstruíram residências. Choraram, abraçaram e, a cada gesto de agradecimento dos atingidos, sorriram aliviados ao ver o “irmão”, que jamais sonharam em conhecer, tinha, pelo menos, o mínimo para viver.
Entre aqueles que perderam tudo ou, praticamente tudo, está a família de Tiago Miotti. O morador de Muçum, ao lado dos pais, foi um dos que conseguiram escapar da tragédia. Foram socorridos pelos servidores do Corpo de Bombeiros Militar (CBMRS), de Guaporé, e receberam a colaboração da turma da Comunidade do bairro São José.
“É comum em muitos bairros a água chegar até as residências, o pessoal está acostumado. Porém, ninguém imaginou viver a cheia do Rio Taquari desta forma. Quando percebemos, estávamos com um volume grande de água dentro de casa. Tivemos que subir no sótão, arrancamos telhas e gritamos para os bombeiros para nos salvar com medo de perder a vida. Ouvíamos os vizinhos, naquela imensidão de água e na escuridão, dizendo: por favor, ajuda! Nós vamos morrer! Ou ‘meu pai, minha filha, minha mãe vão morrer’. É algo inexplicável”, disse Tiago.
O morador de Muçum complementou:
“Quando a água começa a baixar e tu vê as casas naquela ‘cena de guerra’, a lama tomando conta e praticamente tudo destruído, tu não tens reação e fica olhando o ‘vazio’, sem saber o que fazer. Descobre que pessoas perderam a vida e começa a imaginar como pode ter acontecido. É horrível. É horrível”, afirmou.
Tiago é só mais um morador, em meio a centenas, que sofreram com a cheia do Rio Taquari. Uma família, a do jovem Adriano dos Santos, perdeu todos os pertences. Ao lado da esposa Giovana e dos filhos Enzo, Ísis e Iara, Paulista, como é chamado o jogador do “Azulão da Baixada”, contou com a colaboração da Comunidade do bairro São José e do time ao qual defende as cores na Copa Aslivata. O empresário Cléber Civa, uma das lideranças do bairro, mobilizou os amigos para trazê-los a Guaporé. Paulista e familiares receberam um espaço confortável, emprego e, principalmente, foram acolhidos para que possam prosperar.
“Não podíamos deixar de ampará-los e dar todo o suporte. Fizemos, com apoio de muitas pessoas, o mínimo para que pudessem recomeçar”, disse o empresário Cleber.
Dos milhares de heróis voluntários, Leomar Baldissera, o Pipo, liderou um “exército” de pessoas que contribuíram na limpeza e reconstrução de dezenas de residências. Desceu com uma máquina agrícola e um compartimento com água engatado. Ficou ininterruptamente 11 dias no Vale do Taquari. Em casa, deixou a esposa, filhos, os amigos, o lazer e abandonou a atividade diária de sustento para fazer o bem. Dedicou seu tempo e recursos financeiros para ajudar o próximo. Cativou com seu exemplo de entrega e motivou centenas de pessoas com sua determinação e bravura. Contou com apoio de moradores de Muçum e de três pessoas de Pelotas, Dari, Mateus e Ale, que nunca havia visto. União, força é fé foram fundamentais.
“Fui motivado pela movimentação dos moradores do bairro São José em frente ao Salão. Não sabia o que estava acontecendo e, como sempre fico no interior, resolvi parar para ver. Decidi que ia ajudar, descer para levar umas águas e alimentos. Quando cheguei em Muçum me deparei com algo assustador. Voltei e peguei o trator. Falei que ia ficar três dias, mas permaneci 11. A cada instante era uma família que implorava por ajuda. Ao lado dos amigos, tiramos forças e fizemos o possível para dar o mínimo de dignidade em meio à destruição”, afirmou Pipo, citando a colaboração a uma família em que as crianças estavam enroladas em lonas, dormindo no barro.
“É inacreditável. Um outro relato que me emocionou foi de uma senhora, já velhinha, que se ajoelhou na nossa frente e pediu por favor para que limpássemos um cantinho da casa para ela poder ficar. E outra mulher e sua filha que há dias estavam sem nada e embarradas em um lugar remoto. Demos um banho nelas com o jato. É de cortar o coração”.
Pipo, apesar de ser forte fisicamente e extremamente determinado, por momentos pensou em desistir e retornar para o seu lar. Emocionalmente estava abalado de ver tamanha desolação entre os moradores de Muçum. Chorou ao longo das madrugadas, mas, ao ver os amigos da zona sul do Estado motivados em continuar colaborando e a turma de Guaporé que descia diariamente para ajudar, tirou forças de onde não tinha e contou com a fé em Deus.
“Chegou um ponto que minha cabeça não aguentava mais. Ao longo do dia me mantinha firme para não desanimar quem estava ao meu lado, mas a noite pesava e eu chorava muito. Graças a Deus consegui me manter forte e focado”, afirmou.
Pipo, assim como os demais voluntários, foram homenageados ao longo de um jantar de confraternização no Salão Comunitário do Bairro São José. Recebeu uma placa de reconhecimento pelos valiosos serviços humanitários prestados às pessoas atingidas pela enchente que assolou a cidade de Muçum.
“Não há como descrever a importância de cada pessoa de Guaporé que colaborou. Na figura do Pipo, que foi incansável, agradeço a todos que ajudaram de uma forma ou de outra no recomeço de vidas. Nós, comunidade de Muçum, não teríamos força para nos reerguer”, destacou Tiago Miotti.
Aos poucos, Muçum e demais cidades atingidas pela enchente do Rio Taquari, voltam à “rotina”. Governos Federal, Estadual e Municipais estão contribuindo com a reconstrução e a continuidade das ações voluntárias serão fundamentais para que a vida ao normal.